O Silêncio dos Homens — Uma Experiência Gastroafetiva

Bruna d'Avila
8 min readMar 25, 2021

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Olá! Somos um grupo de 4 mulheres, Aline, Ana, Bruna e Isadora, que foram desafiadas pelos professores das matérias de design etnográfico, design de serviços e design de experiências, da pós-graduação em design estratégico e inovação, do IED — Istituto Europeo di Design, a fazer uma experiência gastroafetiva, a partir de uma música do Chico Buarque.

Contamos aqui nossa jornada e o resultado!

Em ordem: Bruna, Aline, Ana e Isadora — Prazer!

Ainda sem saber ao certo como essa caminhada iria se desenrolar, na aula de design etnográfico, recebemos a música Feijoada Completa, do Chico Buarque, para realizar um trabalho etnográfico. Entendemos o contexto, definimos uma lista coletiva de palavras e chegamos a seguinte percepção inicial: malandragem, machismo, companheirismo masculino, “os parça”, fome de liberdade por conta da ditadura, apelo ao excesso, mulher como objeto e verbos no imperativo.

A partir disso, encontramos dois cenários e personagens e cenários para estudar. O primeiro, apelidado de “o velho” pelos clientes assíduos, um bar/restaurante de almoço para trabalhadores, em Pinheiros. O segundo, “o peixeiro”, dono de um espaço em um mercado de peixes em Aracaju, com a sua mulher grávida — que era quem fazia tudo. Observamos, anotamos e traduzimos a performance e o comportamento, para buscar os legitimadores ethos, pathos e logos nas ações desses dois personagens, que, também, estavam na música. Caso queiram saber mais sobre essa análise, cliquem nesse link.

Link da apresentação

O segundo passo dessa caminhada foi o briefing recebido na matéria seguinte, design de experiências. Precisávamos criar uma experiência gastroafetiva, a partir do estudo etnográfico feito, com a proposta de ser de uma conversa entre pessoas com pensamentos, de certa maneira, conflituosos e opostos.

Para tanto, ao invés de irmos direto ao mundo das ideias e sair fazendo, tivemos que pesquisar. Assim, antes de entrar na temática em si, levantamos informações sobre armas e paz, historicamente e para a filosofia da arte, e armas para a paz. A partir disso e entrando um pouco mais no experimento, trouxemos os aspectos conceitual, estético, simbólico e funcional da arma para a paz relacionado ao nosso experimento.

Chegamos ao seguinte ponto inicial para abrir a porta das ideias (cliquem aqui caso queiram olhar em detalhes):

  • Conceitual: entender a sensibilidade e vulnerabilidade como partes naturais do masculino;
  • Estético: performance de vulnerabilidade dos participantes;
  • Simbólico: inversão dos comportamentos bons e ruins atrelados aos nomes e gostos dos pratos; e
  • Funcional: subversão de conceitos sobre a masculinidade.
  • Arma para paz: granada da vulnerabilidade e libertação. A granada é uma arma que se ativa em algumas etapas e, ao final, espalha estilhaços para atingir mais pessoas. Esse é o nosso conceito da experiência, etapas e estilhaços.
  • Passado, presente e futuro

Estabelecida nossa base e o conceito principal em torno da experiência, partimos para mais pesquisas, elaboramos a seguinte pergunta “como escancarar relações de poder entre gêneros?”.

Nos deparamos com um dilema, como falar de um tema, o machismo disfarçado na malandragem, ou mesmo escancarado, já tão falado, sem cair na mesmice e sem dar voz a discursos que não agregam, como, por exemplo, um debate ferrenho entre um machista e uma feminista. Como abordar de uma forma diferente? Sem fomentar a dicotomia, sem colocar o homem no centro e trazer figuras radicais. Mas, ao mesmo tempo, falar da performance do gênero masculino, sobre autoridade, força, não demonstrar fraqueza, obrigatoriedade, imponência, posse, controle exacerbado, dever e superioridade.

Chegamos a conclusão que o sagrado masculino, representando pela tentativa de criar um equilíbrio em um desequilíbrio causado pela repressão sociocultural, que os homens sofrem até hoje, e o sagrado feminino, voltado à uma conexão ancestral, não são opostos, mas sim complementares e habitam todos os seres.

Ressignificamos nossa pergunta para: “como mostrar as dores dos homens sem dar voz a discursos opressores ou desagregadores?”. Baseado na pesquisa feita para o documentário “O Silêncio dos Homens”, feito pelo grupo Papo de Homem e diversos apoiadores, encontramos nosso caminho. Tratar da masculinidade tóxica e do silêncio dos homens em uma experiência apenas com homens e uma conversa de cada homem com ele mesmo. Uma conversa em silêncio, ele e seu interior.

Vocês podem acompanhar essa jornada de criação aqui.

Assim como a granada, nossa experiência é baseada em algumas etapas, que afunilam para a libertação. As etapas foram baseadas nas camadas de aprisionamento do homem, que, segundo o documentário, são três, cada uma representada por uma caixa gastronômica, e sempre com uma playlist angustiante:

CAIXA 1

  • Primeira camada: se inicia por uma incapacidade em compreender o que se sente;
  • Efeito desejado: desejar conhecer;
  • Sentimento que queremos passar: vulnerabilidade;
  • Realidade atual: não conhece os sentimentos;
  • Pergunta conceitual: como criar uma situação em que o homem perceba que não conhece os sentimentos?
  • Ideia: tentar adivinhar o sentimento de cada sabor de geleia ao provar e ler uma frase.

CAIXA 2

  • Primeira camada: escolha em não falar, mesmo quando há um reconhecimento das emoções e sentimentos. O homem escolhe permanecer fechado;
  • Efeito desejado: desejar falar
  • Sentimento que queremos passar: hostilidade e repulsa;
  • Realidade atual: não falar sobre sentimentos;
  • Pergunta conceitual: como faço ele experimentar uma situação análoga a de passar por algo e não falar?
  • Ideia: notícia falsa sobre homens serem superiores geneticamente no paladar e precisar comer uma gelatina com miojo dentro.

CAIXA 3

  • Primeira camada: censura social sofrida pelos homens ao expressarem sensibilidade. É comum serem ridicularizados ou alvo de piada quando se colocam vulneráveis, expressando medos, dúvidas ou emoções tidas como menos masculinas;
  • Efeito desejado: não sentir o peso desse julgamento sendo importante;
  • Sentimento que queremos passar: julgamento e repressão;
  • Realidade atual: é censurado ao falar;
  • Pergunta conceitual: como faço ele se sentir julgado e reprimido por falar e depois sentir o gosto de se libertar?
  • Ideia: tentar adivinhar o sentimento de cada sabor de geleia ao provar e ler uma frase.

Encontramos algumas dificuldades, como, por exemplo, a questão da pandemia. Fazer uma experiência em um cenário em que não podemos nos encontrar, ainda mais quando envolve comida e o risco de contaminação. Pensamos que a pessoa poderia cozinhar, mas seria muito complicado. Enfim, chegamos em pequenas comidas e experiência prontas e mais fáceis de serem preparadas por nós. Fizemos testes com alimentos, envolvemos namorados como cobaias e chegamos a esse resultado apresentado!

Testes de sabores caixa 1
Testes caixa 2
Testes caixa 3
Testes caixa 3

Ainda, para ajudar, na aula de design de serviços construímos um blueprint com toda a jornada do homem, sentimentos, etapas e ações.

Como resultado, todos que participaram gostaram da experiência, mas nem todos se identificaram com o que estava escrito. Alguns ficaram surpresos e se sentiram atingidos e outros, por outro lado, entenderam que aquelas informações não lhe causaram angústia, por serem mais abertos e sensíveis.

Baseado nesses feedbacks, identificamos a oportunidade de criar uma experiência menos violenta e agressiva para abranger todos os homens e não só aqueles mais machistas/malandros, nosso personagem inicial. Entendemos que essa hostilidade que trouxemos não funciona com todos os homens.

Além disso, avaliamos algumas oportunidades de melhoria nos sabores e nos cards, bem como nas explicações para que ficassem mais claras.

Por fim, chegamos a algumas conclusões específicas para cada caixa:

  • Caixa 1: eles não acertaram os sentimentos, o que, por um lado, pode mostrar a questão de que realmente não conhecem os seus sentimentos, e, por outro, pode mostrar que os sabores não estavam tão acentuados ou os textos não provocativos. Sobre sabores, levantamos a questão de que o paladar dos homens é diferente do das mulheres e o trabalho foi feito somente por mulheres. Alguns dos homens não sentiram os sabores nas geleias. Seria muito interessante testar outras comidas para colocar os sabores e estudar um pouco mais a relação entre sabores e sentimentos para diversos tipos de paladar;
  • Caixa 2: todos acharam nojento, mas comeram por consideração a nós. Não se rebelaram, mesmo relatando que acharam nojento. Em um momento pós pandemia, é de extrema importância testarmos o experimento com homens sem ligação conosco; e
  • Caixa 3: todos conseguiram achar a bombinha, gostaram do chocolate e do açúcar explosivo. Havíamos levantado a hipótese de que o paladar masculino não iria gostar do chocolate branco das bombinhas, por ser muito doce. Todavia, todos adoraram. Para uma próxima rodada, podemos testar outros sabores estranhos ao paladar masculino para as bombas com consequências negativas. Todas as bombinhas estavam cobertas com glitter verde e todos os homens se incomodaram com o glitter.

Caso queiram ler afundo, aqui temos toda a experiência detalhada, com todos os cards, sabores, passo a passo e explicações. E, caso queira conferir o vídeo de como foi a experiência, clique aqui.

Fontes consultadas durante o projeto:

  • Desk Research — O Silêncio dos Homens — Instituto PDH, com apoio Reserva, Papo de Homem, Natura Homem, Instituto PDH, Zooma — consultoria em masculinidade e gênero, ONU Mulheres e HeForShe.

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